Por FRANCISCO TESIFOM MUNHOZ – PU2XBO
Quando se fala do "front end" de um rádio transceptor — especialmente pensando na faixa dos 145 MHz, bastante usada por radioamadores na famosa banda de 2 metros (VHF) — estamos nos referindo à primeira parte do circuito receptor. É ali que tudo começa: o sinal captado pela antena entra por essa “porta de entrada” e começa a ser preparado para o restante do processamento dentro do rádio.
Essa etapa é essencial, porque ela define duas coisas super importantes: a sensibilidade, que é a capacidade do rádio de captar sinais fracos (o que, convenhamos, é bem comum no mundo do radioamadorismo), e a seletividade, que é o quanto ele consegue focar só no sinal que você quer ouvir, sem se atrapalhar com interferências.
Figura 1 – Diagrama de Blocos de um receptor de rádio Fonte: Autor |
Nessa faixa dos 145 MHz — bastante usada em comunicações locais ou por repetidoras — o front end costuma ter alguns elementos fundamentais:
• Filtro de entrada: Ele vem logo depois da antena e serve pra deixar passar só os sinais em 145 MHz, barrando o que vem de fora dessa faixa (como FM comercial, por exemplo). Isso ajuda bastante a evitar ruídos e sobrecarga por sinais indesejados.
• Amplificador de RF: Como nem sempre o sinal chega forte (por causa da distância, obstáculos ou até do clima), esse circuito dá uma “turbinada” no que o rádio está recebendo. Mas é preciso cuidado: se ele amplificar demais ou de forma errada, pode acabar elevando também o ruído — o que é o oposto do que queremos.
• Misturador: Aqui o sinal de 145 MHz é combinado com outro, gerado internamente (o tal do oscilador local), e é transformado numa frequência mais baixa, chamada de FI (frequência intermediária). Esse processo facilita bastante o trabalho dos circuitos que vêm depois.
• Proteção contra saturação: Em áreas urbanas, por exemplo, o rádio pode ficar exposto a sinais muito fortes (como de repetidoras próximas), e isso pode fazer o receptor “pirar”. Por isso, o front end costuma contar com atenuadores ou sistemas automáticos de controle de ganho (AGC), que ajudam a segurar esses exageros.
Em resumo, um front end bem feito para 145 MHz precisa encontrar um equilíbrio: ser sensível o bastante para captar transmissões de baixa potência, mas também firme na hora de lidar com interferências e sinais muito fortes. Se esse circuito for mal projetado, o resultado pode ser uma recepção ruim, com muito ruído ou até sinais "fantasmas" aparecendo onde não deveriam. E isso, claro, atrapalha bastante a experiência de quem está na escuta.
Agora, vale a pena entrar num detalhe que muitos já perceberam na prática, mas nem sempre sabem explicar o porquê: como é que sinais fortes de emissoras de FM comerciais acabam afetando diretamente a recepção nas faixas de VHF/UHF, especialmente nos rádios mais simples ou de baixo custo.
A verdade é que muitos desses rádios, para se manterem acessíveis, acabam economizando justamente onde não deveriam: na filtragem de entrada. O filtro que deveria “segurar” sinais fora da faixa de 145 MHz( por exemplo) — como as estações de FM, que operam ali por volta de 88 a 108 MHz — acaba sendo pouco eficiente. E isso tem consequências sérias.
Quando você conecta uma antena externa a um desses rádios, é natural esperar uma melhora na recepção. E de fato, os sinais mais fracos passam a chegar com mais força. O problema é que, junto com esses sinais desejados, chegam também sinais muito fortes das emissoras comerciais de FM, principalmente se você estiver numa área urbana ou próximo a torres de transmissão.
Como o filtro de entrada deixa passar parte desses sinais de FM por ineficiência, eles acabam entrando no circuito amplificador de RF. Esse amplificador, percebendo esses sinais fortes, ativa o sistema de AGC (controle automático de ganho). A função do AGC é proteger o receptor de uma sobrecarga, então ele reduz o ganho da etapa de RF para evitar que os próximos circuitos — como o misturador ou o demodulador — fiquem saturados.
Até aí, parece que tudo está funcionando, certo? O problema é que essa redução de ganho afeta todos os sinais, inclusive aqueles que você realmente quer ouvir — como as estações de radioamador mais distantes ou com transmissões de baixa potência. Resultado? Esses sinais acabam ficando tão fracos que praticamente somem. O rádio, que deveria estar mais sensível com a antena externa, parece que ficou mudo.
Esse é um efeito bem frustrante e que pega muita gente de surpresa. É como se você tivesse feito um upgrade (instalar uma antena melhor), mas no fim, o desempenho piora. E isso tudo por causa de uma filtragem ineficiente no front end, que não foi pensada para ambientes com alto nível de interferência.
Por isso, quem leva o hobby a sério e quer extrair o melhor desempenho possível, muitas vezes investe em equipamentos com melhores filtros ou até usa pré-filtros externos (cavidades, filtros passa-faixa, etc.) antes da entrada do rádio. São soluções que ajudam a “limpar” o sinal antes de ele chegar ao circuito do receptor — e fazem uma diferença enorme na prática.
Sobre o autor:
Francisco Tesifom Munhoz - PU2XBO - , é engenheiro
eletricista sênior, com especialização em eletrônica
digital e telecomunicações. Graduado pela FACENS e
mestre em Ciências Ambientais pela UNESP, atua há
mais de 30 anos como professor universitário,
dedicando-se ao ensino e à pesquisa em engenharia e
tecnologias aplicadas. Com ampla experiência no
desenvolvimento de sistemas eletrônicos, contribui
ativamente para a formação de profissionais e para a
difusão do conhecimento técnico e científico no
campo das telecomunicações, tecnologia da
Informação e conservação de energia.
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Que artigo bem escrito. Parabéns, Francisco - PU2XBO - pela didática.
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