Por Steve Ford, WB8IMY. Traduzido por Alisson, PR7GA


Provavelmente, você já ouviu falar que os sinais nas faixas de VHF e UHF se propagam no que chamamos de "linha de visada", ou seja, somente até onde nossa visão alcança. Isso significa, literalmente, que não é possível se comunicar nessas faixas a menos que o trajeto entre as estações esteja livre de obstáculos. Ou seja, é como se o sinal nessas faixas fosse como um feixe de luz (e realmente é mesmo, mas isto é assunto para outra oportunidade), e assim, havendo obstáculos, seria impossível se comunicar sem algum tipo de ponte ou de repetição/retransmissão dos sinais.

Talvez você esteja desconfiado que tem algo de errado nessa explicação. Pense em todas as vezes em que você conversou com alguém na faixa de 2 metros sem que pudesse literalmente "ver" o outro colega. Mesmo sem a ajuda de um repetidor para retransmitir seus sinais, vocês conseguiam se comunicar.

Isso significa que o conceito de linha de visada é falso? De jeito nenhum. A propagação direta, em linha de visada, é algo perfeitamente válido e real, mas os obstáculos entre você e a outra estação podem não bloquear totalmente os sinais. Algumas vezes os sinais podem literalmente ricochetear entre os obstáculos, e assim, energia suficiente chegar do outro lado e tornar a comunicação possível. Em certo sentido, podemos até dizer que a RF é capaz de encontrar caminhos alternativos, evitando assim os obstáculos e chegando ao destino!

Difração de ponta de faca


Onde houver um obstáculo elevado com uma borda bem definida entre o transmissor e o receptor, como uma ponta ou, como o nome sugere, uma lâmina de uma faca, (uma montanha ou um edifício), as ondas de rádio podem difratar em torno do obstáculo, curvando-se ligeiramente, e assim conseguem alcançar o receptor. Este fenômeno depende do quão "afiada" é a borda do obstáculo é afiada, daí o nome difração em ponta de faca. Os colegas que gostam de VHF e que vivem em áreas montanhosas estão familiarizados com esta forma de propagação de sinal. Ao apontarem as suas antenas para o topo das montanhas, podem falar com outros Radioamadores a distâncias que normalmente não conseguiriam. Veja a ilustração abaixo.
Como o nome indica, a difração em ponta de faca pode ocorrer quando há um obstáculo com uma borda bem definida - como a montanha mostrada aqui - entre o transmissor e o receptor. Algumas ondas de rádio seguem o caminho da linha de visão para o espaço sideral, mas outras difratam (ou "contornam") ao redor da borda da montanha, curvando-se ligeiramente alcançando muitos quilômetros além.



Dispersão Troposférica


A dispersão troposférica ocorre quando as ondas de rádio são dispersadas por irregularidades na troposfera, que é a camada da atmosfera mais próxima da superfície da Terra. Quando acontece, a dispersão troposférica permite comunicação em longas distâncias. Os Radioamadores costumam chamar esse tipo de propagação como "tropo".

A tropo costuma acontecer de forma aleatória, embora geralmente coincida com mudanças nas condições climáticas. Uma massa de ar, como uma frente fria ou quente, pode desencadear a tropo, e aí os resultados podem ser surpreendentes. De repente, você começa a ouvir estações a centenas de quilômetros de distância. Quem gosta de DX costumam monitorar a faixa comercial de FM, buscando estações mais distantes. Quando isso ocorre, pode estar acontecendo a tropo e assim seria um bom momento para fazer contatos a longa distância em VHF/UHF.

Dispersão por chuva


Um pouco além das faixas de 2 metros (144-148 MHz) e 70 cm (430-440 MHz), os colegas que trabalham nas faixas de microondas (acima de 1 GHz)  podem se comunicar muito além do alcance normal da linha de visada, graças à dispersão pela chuva. As gotas de chuva agem como pequenas lentes para difratar e dispersar os sinais de micro-ondas. Esta forma de propagação é muito comum em frequências de microondas. A desvantagem da dispersão da chuva é que às vezes a chuva pode ser tão intensa que espalha os sinais a ponto da comunicação ser impossível. Quem tem em casa as pequenas antenas parabólicas de TV por assinatura via satélite sabe o que acontece quando uma grande tempestade está nas proximidades.

Dispersão por Meteoros


Os meteoros estão constantemente entrando na atmosfera da Terra. A maioria são partículas microscópicas ou do tamanho de areia. Movem-se a velocidades enormes e, quando entram na atmosfera, desintegram-se e deixam rastros de gás ionizado.

Esses rastros de gás podem espalhar as ondas de rádio, permitindo que sinais atinjam milhares de quilômetros. Muitos Radioamadores costumam utilizar a dispersão por meteoros (meteor scatter, como é mais conhecida), geralmente nas bandas de 6 e 2 metros. As trilhas deixadas pelas rochas não duram muito – apenas alguns segundos na maioria dos casos – então normalmente é usada a comunicação digital para fazer o contato de forma ultra rápida, aproveitando o pouco tempo disponível para trocar os indicativos e o sinal relativo mutuamente. 

Poucos sabem que, para aproveitar a dispersão por meteoros, não é preciso ter equipamentos sofisticados. Por exemplo, um simples transceptor de 100 watts para 6 metros, conectado a uma antena direcional modesta, como uma Moxon ou uma Yagi pequena, é tudo que você precisa. O software utilizado é o WSJT-X e pode ser baixado gratuitamente em wsjt.sourceforge.io/wsjtx.html. Veja a imagem abaixo.

Um exemplo da tela do software WSJT-X durante um contato por dispersão por meteoros.



Dispersão Auroral


Assim como os rastros ionizados criados pelos meteoros podem difratar sinais de rádio VHF, o fenômeno que chamamos de Aurora Boreal, que ocorre no hemisfério norte, (ou Aurora Austral, que ocorre no hemisfério sul) pode causar o mesmo efeito na RF. Alguns Radioamadores que moram próximos da região polar apontam suas antenas para o Pólo Norte quando a aurora boreal está ocorrendo com intensidade para aproveitar o fenômeno, transmitindo normalmente em CW na faixa dos 6 metros na direção das nuvens ionizadas, permitindo-lhes se comunicar com outros Radioamadores a vários quilômetros de distância.

Reflexão Lunar


A Reflexão Lunar, também chamada de "Moonbounce" ou EME (Terra-Lua-Terra em inglês), é a técnica de transmitir de sinais VHF, UHF ou microondas na direção da lua, que reflete de volta os sinais. Isto é possível porque a superfície lunar funciona como um espelho gigante para as ondas de rádio.

Usando a Reflexão Lunar, os Radioamadores podem se comunicar a distâncias absurdamente incríveis. Veja a ilustração abaixo:

Ao refletir oa sinais de VHF, UHF ou mesmo de microondas na superfície da Lua, os Radioamadores podem se comunicar com estações a milhares de quilômetros de distância.

Esta atividade normalmente requeria ter estações grandes e poderosas. Porém, ainda que estas "big guns" continuam cumprindo um papel importante entre os que gostam da Reflexão Lunar, graças à comunicação digital usando software como o WSJT-X, colegas com estações muito menores podem também aproveitar esta atividade e se divertirem. Se você tiver um rádio + amplificador com uns 150 watts de potência em 430 MHz e uma antena Yagi comprida, poderá fazer muitos contatos com essas grandes estações sempre que a lua estiver visível.

Indo mais além


Para saber mais a fundo sobre estes e outros modos de propagação incomuns e incríveis em VHF/UHF veja a matéria "Modos de Propagação Troposférica" (https://qtc.ecra.club/2018/12/modos-de-propagacao-troposferica.html)

Veja também algumas matérias do QTC da ECRA sobre contatos muito além da linha de visada:


Fonte: Edição de jan/fev de 2024 da Revista On The Air da ARRL (www.arrl.org)

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