Publicamos a seguir uma longa carta aberta de um colega australiano sobre a DXpedição à Ilha Bouvet, 3Y0J, que terminou há algumas semanas. Recebemos a mesma por email, enviada para várias associações nacionais e radioamadores particulares ao redor do mundo num arquivo PDF protegido por senha. A tradução da maior parte da carta foi feita de forma automática, porém revisada por mim. O original pode ser baixado aqui. A senha para abrir o arquivo é QJ$9xj

DISCLAIMER: O que se segue não reflete necessariamente a opinião do QTC da ECRA ou a minha. Cada um tire suas próprias conclusões.

3YØJ, BOUTVETØYA. UMA CARTA ABERTA À  ARRL & COMUNIDADE DX MUNDIAL

 

INTRODUÇÃO

 

Este não é o lugar para comentar sobre o sucesso ou não da operação DX reduzida de 3YØJ em Bouvetøya [N. do T.: Ilha Bouvet], nem focar na ética e moralidade de vários membros da equipe inserindo seus próprios indicativos originais no log de 3YØJ e assim por diante – outros podem fazer essas avaliações.

No entanto, a segurança operacional geral de 3YØJ, a tomada de decisões críticas, o processo de aprovação, o status da autorização de desembarque e o gerenciamento de riscos exigem atenção imediata e exame mais minucioso.

Não há como questionar a dedicação, determinação e compromisso da equipe 3YØJ em ativar a segunda entidade DX mais rara do mundo. De fato, sua tenacidade e desejo de satisfazer as expectativas da comunidade DX mundial é admirável. No entanto, com base no conteúdo da própria página do 3YØJ no Facebook, fica claro para os profissionais que a equipe estava subestimando a verdadeira natureza dos riscos e perigos com os quais se deparavam e exagerando suas próprias capacidades para lidar com eles.

O cerne da questão é que a equipe de 3YØJ chegou desconfortavelmente perto de sofrer ferimentos graves ou mesmo fatalidades e poderia facilmente se tornar objeto de uma missão internacional de Busca e Resgate ou evacuação médica de emergência. Esta é a dura realidade, independentemente da Equipe 3YØJ e a Comunidade DX optarem por reconhecer isso.

 

SEGURANÇA  OPERACIONAL E TOMADA DE DECISÕES  CRÍTICAS

 

Últimas palavras (quase) famosas da própria página do 3YØJ no Facebook depois que quatro membros da equipe ficaram isolados na ilha por quatro dias e três noites:

 "Não demos muita importância na ocasião, porque a próxima viagem do Zodiac traria nossos suprimentos principais."

"Fui o primeiro a sair. Usei as perneiras para tentar me manter seco."

Agora que o Marama cumpriu suas obrigações contratuais e entregou com segurança a equipe 3YØJ de volta à civilização, a liderança da equipe tem a obrigação de explicar à diretoria da ARRL/DXCC, empresas patrocinadoras, organizações de DX e à comunidade DX em geral por que a primeira tentativa de desembarque do Zodiac na praia de areia preta muito perigosa de Cape Fie ignorou a Regra nº 1 do Guia Básico de Segurança e Sobrevivência Polar? Veja:

TODOS os equipamentos de sobrevivência de emergência necessários, além de provisões mínimas de dez dias de comida e combustível DEVEM ser desembarcados no PRIMEIRO desembarque, para o caso das condições do tempo e/ou do mar se deteriorem repentinamente e você não consiga voltar ao navio! Se você não conseguir concluir esta tarefa principal com segurança, aborte, retorne ao navio e espere que as condições melhorem antes de fazer outra tentativa.

Não há nenhuma justificativa para quebrar a mais básica de todas as regras de sobrevivência polar, mesmo que o tempo no momento seja céu azul, sem vento e o mar esteja calmo como uma panqueca – sua vida e a vida de seus colegas podem muito bem depender disto!

Qualquer um que trabalhasse com os programas australianos ou outros programas antárticos nacionais teria sido demitido imediatamente e mandado para casa em desgraça por tal desrespeito imprudente do protocolo básico de segurança. Então, por favor, não recorra ao "Você não estava lá, então você não sabe da situação - não vai colar.

A Equipe deve fornecer uma avaliação honesta e aberta de como uma decisão tão temerária e imprudente foi tomada, expondo alguns membros da Equipe a um cenário de risco de vida completamente evitável e desnecessário. Por que aquela primeira tentativa de desembarque do Zodiac consistia em quatro homens e apenas alguns poucos equipamentos de sobrevivência, um par de luvas, um par de meias sobressalentes, etc, e pouca ou nenhuma comida ou combustível?

Uma avaliação objetiva e imparcial pode ser que uma combinação de paixão cega pelo DX e entusiasmo excessivo, juntamente com pura impaciência para sair do barco e operar, acabou prevalecendo. Depois de mais de dois anos de releases públicos e arrecadação de fundos, 3YØJ finalmente chegou a Bouvetøya e a equipe agora estava ansiosa para entrar na ilha, ir para o ar chamando 'CQ DE 3YØJ' o mais rápido possível, não importando o custo, incluindo sua própria segurança e possivelmente suas próprias vidas também. Assim parece.

Bouvetøya não é lugar para inocentes novatos polares e ficar isolado em uma ilha subantártica muito fria, varrida pelo vento e úmida sem abrigo adequado e/ou suprimentos adequados não é algo digno de aplausos, parabéns, tapinhas mútuos nas costas ou bate-papo alegre após o jantar. É um cenário de 'vida ou morte' muito sério e iminente, especialmente quando as condições do mar são tais que o retorno ao navio é impossível por um período prolongado e qualquer possível evacuação por helicóptero está a pelo menos uma semana de distância. Até mesmo uma pequena piora no clima nessas circunstâncias pode se transformar rapidamente em uma grande crise com risco de vida.

Quem cometeu esse erro de julgamento tão básico e potencialmente fatal? É razoável supor que o Zodiac Driver/Polar Field Guide [profissional que pilota o bote ou zodiac - N. do T.], que estava lá para garantir a segurança da equipe, era realmente quem tomava essas decisões cruciais no local? Será que seu conselho de segurança foi recebido por ouvidos surdos e ele foi rejeitado por um ou mais dos outros membros da equipe em sua ânsia cega de desembarcar e começar a operar?

Cabe à liderança da equipe divulgar exatamente como essas decisões críticas foram tomadas e por quem. O Zodiac Driver/ Polar Field Guide era um participante pagante ou um profissional credenciado pago para fornecer conselhos de segurança? Ele é a mesma pessoa mencionada na sessão de perguntas e respostas a caminho de Bouvetøya como '….um produtor cinematográfico profissional a bordo (que) foi contratado (ou seja, pago) para fazer o vídeo da DXpedition'. Em caso afirmativo, ele possui seguro de responsabilidade civil profissional?

NCDXF, IDXA, GDXF, DX Engineering etc. e todos os outros doadores e patrocinadores individuais merecem uma explicação do por que 3YØJ chegou muito, muito perto de se tornar um grande desastre que poderia facilmente produzir ferimentos graves, hipotermia, afogamentos ou outras fatalidades e que sem dúvida teria se transformado rapidamente em um grande esforço de resgate internacional envolvendo o quebra-gelo Agulhas II do SANAP* e/ou o navio de abastecimento TAAF**, Marion Dufresne. A liderança de 3YØJ fez um seguro de indenização para cobrir o enorme custo de tal eventualidade?

Para aqueles que podem replicar ou argumentar que os membros da equipe 3YØJ tinham todo o direito de arriscar suas próprias vidas em Bouvetøya se assim o desejassem, então o que dizer das vidas daqueles que poderiam ser obrigados a ir lá para evacuar as vítimas de um acidente ou fornecer outra assistência em condições perigosas?

As DXpeditions para locais remotos e perigosos também podem arriscar a vida de seus possíveis salvadores?

Responder com um indignado 'Sabíamos o que estávamos fazendo, não houve feridos ou desastres e voltamos bem' é pouco mais do que um vaga desculpa e realmente não é suficiente. As fotos, vídeos e comentários descritivos na página do 3YØJ no Facebook demonstram claramente que a maioria dos membros da equipe estava bem fora de seus níveis de competência e zonas de conforto e, em pelo menos uma ocasião, quatro deles estavam literalmente lutando por sua própria sobrevivência na praia de Cape Fie. Em outras palavras, quase houve um desastre.

 

PROCESSO DE APROVAÇÃO E STATUS DA PERMISSÃO  DE DESEMBARQUE

 

O Norsk Polarinstitut*** (NPI) simplesmente notificou 3YØJ que o local de monitoramento científico em Nyrøysa estava fora dos limites e apenas os aconselhou a procurar outro lugar, ou 3YØJ recebeu uma permissão oficial do governo norueguês para desembarcar e montar acampamento em Cape Fie? Se sim, então por que nunca foi disponibilizado para escrutínio público? DXpeditions anteriores para outros locais remotos do Oceano Antártico nunca tiveram problemas para postar cópias de várias autorizações, licenças, etc. em seus sites para visualização pública, mas não há nada do tipo no site 3YØJ.

Os processos de aprovação/permissão britânicos, australianos, neozelandeses e franceses para expedições privadas que desejam visitar seus vários territórios antárticos são extremamente longos, onerosos e rígidos por duas razões muito boas: primeiro, esses governos não desejam que membros do público comprometam seus próprio bem-estar em qualquer um dos seus territórios do sul. Em segundo lugar, eles são naturalmente avessos a arcar com os enormes custos de uma missão de resgate. Como consequência, é quase certo que o Marama e os passageiros de 3YØJ nunca teriam permissão para entrar em nenhuma de suas águas territoriais subantárticas, muito menos desembarcar em qualquer uma de suas ilhas.

É razoável supor que a Noruega tenha uma política semelhante de aprovação/permissão em vigor que seja pelo menos tão rigorosa quanto a dos britânicos. Nesse caso, é preciso se perguntar a priori como a permissão oficial para desembarcar em Bouvetøya foi obtida.

A página da web do NPI Bouvetøya afirma que a permissão só é necessária para entrar em Nyrøysa ou operar um helicóptero em qualquer lugar dentro ou ao redor da ilha. Nenhuma menção é feita a desembarques de barcos em outras partes da Ilha; talvez porque o NPI considera que um barco atracando em algum lugar diferente de Nyrøysa seja tão perigoso e difícil que ninguém jamais seria louco ou ingênuo o suficiente para tentar.

Isso, portanto, levanta a questão: a licença de helicóptero mencionada no site da 3YØJ serve como autorização oficial de desembarque da 3YØJ para Cape Fie, já que nunca houve plano para usar helicópteros?

Em outras palavras, uma brecha no processo norueguês de aprovação/permissão foi explorada neste caso para dar credibilidade à Operação 3YØJ e deturpar as permissões de desembarque para as principais partes interessadas e para o escritório ARRL DXCC para fins de credenciamento DXCC?

De fato, os planos da 3YØJ, as especificações da embarcação, os registros da logística etc. foram submetidos a uma completa revisão e processo de aprovação do NPI? As autoridades norueguesas aprovaram esses planos e posteriormente concederam permissão específica a 3YØJ para desembarcar de barco e montar acampamento em Cape Fie? Se o fizessem, quem seria legalmente responsável no caso de um acidente que exigisse uma missão de resgate? Se não, então como 3YØJ pode ser considerado válido para propósitos de DXCC?

Este é um ponto crítico que requer esclarecimento urgente e por óbvias razões para qualquer DXer.

Pôr 3YØJ no ar com capacidade de RF significativamente reduzida após um quase incidente de quatro homens presos na Ilha em mau tempo contínuo e condições de mar agitado foi algo temerário e tolo, se não totalmente imprudente. Foi por pura sorte que isso não se transformou em nove homens isolados na Ilha por um longo período em condições muito severas e perigosas.

Mais uma vez, quem realmente deu o sinal verde? O Zodiac Driver/Polar Field Guide, o(s) líder(es)da equipe ou o capitão do Marama?

Honra para quem tem honra: 3YØJ teve sucesso ao passo que DXpeditions anteriores e muito bem organizadas falharam; eles conseguiram realmente desembarcar na Ilha e entrar no ar, embora com uma capacidade de RF consideravelmente reduzida. No entanto, essa redução não pode de forma alguma ser elogiada como bravura ou como algum tipo de determinação admirável diante da adversidade pela 'amor pelo DX'. Foi pouco mais do que um exercício ingênuo de salvar sua reputação, juntamente com bravata equivocada e pura imprudência, e a equipe agora deveria estar refletindo sobre seu processo de tomada de decisão na ocasião e mudar a forma como se comporta e interage com a comunidade DX.

Deve haver uma discussão mais ampla, honesta e aberta envolvendo a comunidade DX sobre os riscos genuínos de ameaça à vida que a equipe realmente enfrentou em Bouvetøya e o que deve ser feito para eliminar, ou pelo menos mitigar, tais riscos para futuras ativações (se houverem).

Ao ativar 3YØJ de forma reduzida, as considerações de segurança claramente estiveram em segundo plano, conforme ficou demonstrado pela ignorância contínua ou desrespeito aos protocolos de segurança, conforme postado na própria página do Facebook do 3YØJ.

Por exemplo:

 

  • Chamadas de telefone via satélite/rádio realizadas no topo de um penhasco de gelo fendido, sozinho e sem estar amarrado a um parceiro.
  • Tirar selfies em grupo diretamente abaixo de um instável sérac**** e penhascos de gelo que são particularmente propensos a quedas repentinas ou colapso total sem aviso prévio.
  • Posar de pé sobre uma calota de gelo randkluft+ ou bergschrund+ que pode colapsar de repente pelo peso do corpo, podendo quebrar uma perna ou coisa pior.
  • Tirar fotos perto das bordas do penhasco, onde uma rajada repentina de vento forte pode facilmente jogar a pessoa sobre a borda do penhasco fazendo-a cair nas rochas.
  • Passageiro(s) levado ao Marama usando apenas colete salva-vidas e sem vestes de imersão.
  • Passageiro quase caindo em água gelada++ entre o Zodiac e o casco de Marama e escapando por pouco de ser esmagado entre os dois pelo mar revolto.
  • Falta de um segundo Zodiac na água, por segurança, em caso de homem ao mar ou capotamento do primeiro
  • Roupas de mergulho pesadas e restritivas usadas durante o trabalho de carga em ondas pesadas na praia em vez de roupas secas e coletes salva-vidas completos.
  • Vestir roupas impermeáveis em praia com fortes ondas - um método bem conhecido de cometer suicídio por afogamento.

 

E assim por diante, os quais poderiam facilmente resultar em ferimentos graves ou morte.

 

CONCLUSÃO

 

3YØJ foi financiado por várias centenas de milhares de dólares, em grande parte pela comunidade DX internacional e empresas patrocinadores, por isso não é errado destacar essas questões alarmantes, fazer essas perguntas e esperar respostas.

À luz dessas circunstâncias, sugere-se respeitosamente que a ARRL não tenha muita escolha a não ser revogar o credenciamento DXCC de 3YØJ com base no risco imprudente de vida, isso se a ARRL queira que o prestígio, a honra e a integridade do Programa DXCC sejam mantidos.

Não fazer isso provavelmente será interpretado por muitos dentro da Comunidade DX como cumplicidade da ARRL em encorajar e perpetuar a imprudência e a assunção de riscos inaceitáveis em futuras DXpeditions para Bouvetøya e outros locais remotos e perigosos semelhantes.

Se um membro da ARRL em tal DXpedition se envolver em um acidente grave e a DXpedition tiver credenciamento DXCC prévio, a ARRL poderá ser processada por danos nos tribunais dos EUA por ter aprovado tacitamente uma expedição que acabou mutilando ou matando um de seus próprios membros. O Conselho da ARRL, portanto, precisa considerar esse assunto com muito cuidado e alterar seus processos de credenciamento DXCC a fim de minimizar sua exposição a qualquer possível litígio.

Além disso, os credenciamentos futuros de DXCC em Bouvetøya devem ser estritamente limitados a operações associadas apenas a visitas científicas governamentais de boa-fé, como 3YØC e 3YØE. DXpeditions para Bouvetøya sem o suporte de segurança fornecido por um navio de abastecimento ou quebra-gelo do governo são comprovadamente muito perigosos e, portanto, não devem mais ser permitidos para crédito DXCC.

Ou então simplesmente excluam Bouvetøya da lista DXCC antes que algum aspirante a herói DX seja gravemente ferido ou morto e o Conselho ARRL e a Comunidade DX acabem com sangue em suas consciências coletivas. Já é hora de a ARRL aceitar essa realidade e ajustar suas políticas para refletir isto.

O mesmo raciocínio se aplica a 3Y Peter 1st Island e, em menor grau, VP8/H South Shetlands e VP8/O South Orkneys.

Em qualquer caso, essas três raras entidades DXCC estão todas abaixo dos 60° de latitude sul e, portanto, estão sujeitas ao Tratado Antártico desde 1960. Todas as três deveriam, portanto, ter sido adicionadas à Antártica CE9 VP8 KC4 etc. e excluídas como entidades DXCC separadas décadas atrás .

3YØZ e 3YØI demonstraram com grande custo o quão difícil e perigoso pode ser apenas chegar a Bouvetøya, quanto mais desembarcar lá. 3YØJ comprometeu muito de si mesmo e uma quantia ainda maior de dinheiro de outros povos para demonstrar ao mundo que uma DXpedition privada em geral não é capaz de estabelecer com segurança um acampamento DXpedition seguro e confortável em Cape Fie por desembarque na praia.

Claro, 3YØJ provou por determinação bem-intencionada, mas equivocada, que isso poderia ser feito se você fechar os olhos para os protocolos de segurança e conseguir passar muito frio e muito desconforto por vários dias seguidos. No entanto, se você não consegue se sentir seguro e razoavelmente confortável sentado em frente a um rádio, apertando o manipulador e digitando no teclado, então por que se incomodar em primeiro lugar? Na verdade, quem em sã consciência iria querer pagar dezenas de milhares de dólares de seu próprio dinheiro para tentar fazer esse tipo de coisa novamente?

Por isso, vá operar seu rádio e seja um herói DX no Caribe, Jan Mayen, Svalbard ou onde quer que haja instalações de suporte bem estabelecidas e recursos de Busca e Resgate Porém as DXpeditions privadas devem ficar longe desses pequenos pontos de terra no vasto Oceano Antártico, a menos que existam pessoas experientes no ambiente polar a bordo que saibam exatamente o que estão fazendo e sejam totalmente capazes de garantir a segurança dos novatos subantárticos da equipe.

Sim, eu sei por experiência pessoal que essas pequenas ilhas de rocha e gelo antártico e subantártico podem ser jóias DX muito sedutoras e tentadoras, mas o que a comunidade DX jamais quer ver são os corpos dos mártires DX boiando nas ondas geladas do Atlântico Sul ou as pernas e pés de algum azarado DXer sendo retirado debaixo de várias toneladas de penhascos de gelo desmoronados ou sérac na praia de Cape Fie.

No curto prazo, 3YØJ pode ser considerado por alguns como um sucesso modesto em que alguns milhares de ATNOs foram dados aos poucos sortudos e merecedores, etc., no entanto, infelizmente, prestou à Comunidade DX um desserviço muito maior a longo prazo. Assim que as várias autoridades que governam territórios subantárticos saibam que os quatro membros da equipe 3YØJ estiveram presos em Bouvetøya sem comida e abrigo adequados, dificilmente estarão dispostos a emitir autorizações de desembarque para qualquer um, muito menos para DXpeditions. Como consequência, a Comunidade DX pode também esquecer quaisquer futuras DXpeditions à Ilha Peter I, Geórgia do Sul, Ilhas Sandwich do Sul, Kerguelen, Ilha Heard, Ilhas Auckland, etc. porque é provável que nunca aconteçam.

Não tenho nenhum desejo de ser um estraga-prazeres neste nosso maravilhoso hobby e não tenho nenhum prazer em ser o autor desta carta aberta, porém alguém teria que fazer isso mais cedo ou mais tarde. Alguém tem que iniciar uma reflexão racional, imparcial e objetiva sobre como a Comunidade DX pode gerenciar com segurança e apoiar ativações perigosas como essa no futuro.

Testemunhei muitos feridos, várias evacuações médicas e, infelizmente, algumas fatalidades durante minha longa carreira profissional na Antártida e áreas subantárticas. Seria, portanto, negligente e pessoalmente inescrupuloso se eu balançasse a cabeça em desânimo e descrença neste último episódio alarmante de 'The Bouvet Show' e permanecesse em silêncio apenas para evitar ferir os egos de algumas celebridades DX e ser controlado por seus bajuladores e apoiadores.

Verdade seja dita, se Bouvetøya não estivesse na lista DXCC, então a grande maioria dos DXers teria dificuldade em apontá-lo em um mapa, muito menos ter qualquer desejo de ir lá em busca do status de celebridade DX.

É hora de reconhecer e aceitar que entusiastas amadores com boas intenções, mas muitas vezes equivocados, não são os corajosos exploradores da Antártida ou heróis de outrora, nem são uma representação realista do “HamSpirit” de hoje. A comunidade DX precisa abordar esta questão como uma questão de prioridade, a fim de aplicar princípios mais amplos de responsabilidade e bem-estar social ao mundo do DX e da busca por DX.

Resumindo: é hora do 'BouvetShow' chegar ao fim antes que alguém seja morto.

Finalmente, estou bem ciente de que esta carta aberta provavelmente será controversa e provavelmente me tornará muito impopular em alguns setores da comunidade DX mundial. No entanto, gostaria de lembrar a todos que não sou o problema, sou apenas o mensageiro. Portanto, de pouco serve me tornar o foco de qualquer resposta raivosa ou acusatória sobre o assunto.

 

Sinceramente,

(assinado)

 

Alan Cheshire BSc MRGC GDipIT MInstP MIET MIEEE
VK6CQ VKØLD VP8PJ 9VØA, ex-VKØMM etc.
Ex-oficial de rádio da British Antarctic Survey e oficial técnico sênior de comunicações da ANARE+++.

Perth, Austrália Ocidental, 27 de fevereiro de 2023.


 

NOTAS:

 

* SANAP: Programa Antártico Nacional da África do Sul.

** TAAF: Terres Australes et Antarctiques Françaises (Terras Austrais e Antárticas Francesas).

*** Norsk Polarinstitut: Norwegian Polar Institute. A autoridade do governo norueguês responsável por Bouvetøya.

**** Sérac: Grandes pilares ou blocos de gelo que se desprenderam do topo de uma geleira ou falésia de gelo.

+ Randkluft, Bergschrund: Vazios ou buracos encontrados em limites de rocha/gelo causados pela rocha mais quente derretendo o gelo por baixo. Na maioria dos casos, eles não são vistos facilmente da superfície.

++ As temperaturas da água ao redor de Bouvetøya oscilam em torno de -1 a +1 graus centígrados nos meses de verão subantártico e sem um traje de mergulho adequado, o tempo médio de sobrevivência na água é medido em minutos, não em horas. A imersão súbita de corpo inteiro em tais temperaturas sem um traje de mergulho é uma causa comum de arritmia cardíaca e/ou morte súbita cardíaca em qualquer nível de condicionamento físico. A água do mar congela a cerca de 2,2 graus centígradosnegativos, dependendo da salinidade.

+++ ANARE: Expedições de pesquisa antárticas nacionais australianas.





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1 Comentários

  1. Carta extremamente problemática.
    Apesar de em seu conteúdo existirem consideração muito importantes sobre segurança também existe um tom arrogante ao cobrar dos expedicionários e da ARRL algum tipo de explicação.
    O autor cobra, repetidamente, que seja dito quem tomou essa ou aquela decisão. Eu me pergunto qual a autoridade dele para isso e porque saber quem tomou a decisão deve ser algo público.
    Ao meu ver eles tinham a documentação necessária para realizar a expedição, não cometeram nenhum crime e não necessitaram apoio de emergência. Todo a carta é sobre especulações do que poderia ter acontecido mas não aconteceu.
    O ponto mais forte da carta é sobre se "eles tinham o direito de arriscar as vidas dos membros de eventuais equipes de salvamento que teriam a obrigação de ir resgatá-los, se as coisas piorassem?"
    Bem essa responsabilidade não é exclusiva dos expedicionários e sim em maior parte de quem os autorizou.
    talvez faça mais sentido o autor enviar uma carta aberta a seja lá quem autorizou a expedição e, se está tão preocupado com a segurança de todos, oferecer canais onde as valiosas informações se segurança de expedições antárticas estejam disponíveis.

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