Traduzido por Alisson, PR7GA
Durante o verão de 1963, os Estados Unidos lançaram meio bilhão de fios finíssimos de cobre em órbita, na tentativa de criar um anel metálico ao redor da Terra. Foi o Projeto West Ford. A Força Aérea e o Departamento de Defesa o imaginaram como a maior antena de rádio da história da humanidade. Seu objetivo era proteger as comunicações de longo alcance do país no caso de um ataque da União Soviética.
No final da década de 1950, as comunicações de longo alcance dependiam de cabos submarinos ou de comunicações via rádio. Os cabos eram robustos, mas não invulneráveis. Se os soviéticos atacassem e destruíssem esses cabos, os EUA só poderiam contar com transmissões de rádio para se comunicar no exterior. Mas as comunicações de longa distância dependem da ionosfera, e esta depende do sol. Frequentemente é interrompida por tempestades solares. Os militares dos EUA haviam identificado um problema.
Uma solução potencial nasceu em 1958. O projeto Needles, como era originalmente conhecido, foi idéia de Walter E. Morrow. Ele sugeriu que se a Terra possuísse um refletor de rádio permanente na forma de um anel orbital composto de fios de cobre, as comunicações de longo alcance estariam imunes a distúrbios solares e fora do alcance de tramas soviéticas nefastas.
Cada fio de cobre tinha cerca de 1,8 centímetros de comprimento. Isso era metade do comprimento de onda do sinal de transmissão de 8 GHz transmitido da Terra, transformando efetivamente cada pedacinho de fio em uma antena dipolo. Em conjunto, as bilhões de microantenas poderiam melhorar as transmissões de rádio de longo alcance sem depender da instável ionosfera.
Hoje é difícil imaginar como algo assim fosse considerado uma boa idéia. Mas este projeto foi pensado antes que nós puséssemos os pés no espaço, quando os generais estavam no comando dos foguetes da NASA, e a maioria dos satélites e naves espaciais não havia sequer saído da prancheta de desenho. O projeto foi executado baseando-se na suposição de que o espaço exterior é tão grande que os riscos de colisão com um eventual lixo espacial eram minúsculos em comparação com a ameaça do comunismo.
O projeto foi renomeado para West Ford. Não foi o primeiro, nem o mais estranho plano de construir um refletor de rádio global. Em 1945, o autor de ficção científica Arthur C. Clarke sugeriu que o arsenal de foguetes V2 da Alemanha poderia ser programado para colocar um conjunto de antenas em órbita geoestacionária ao redor da Terra. Clarke foi tão feliz em sua visão que os satélites de comunicação de hoje se encontram todos numa região do espaço que recebeu o nome de "Cinturão de Clarke", em homenagem ao escritor que o idealizou.
Enquanto isso, cientistas americanos tentavam usar nossa própria lua como um refletor de comunicação, um feito que seria finalmente realizado com o Projeto Diana de 1946. Um plano ainda mais audacioso foi criado no início dos anos 60 e conhecido como Projeto Echo, que utilizava um par de refletores de microondas na forma de balões metálicos transportados pelo espaço.
À medida que o Projeto West Ford avançava, os radioastrônomos alertavam sobre os efeitos nocivos que essa nuvem de agulhas de metal poderia ter sobre a observação das estrelas. Começavam a surgir preocupações sobre o problema do lixo espacial. Mas, por trás dessas preocupações, havia a preocupação de que uma missão espacial sob a bandeira da segurança nacional não estivesse sujeita à mesma transparência que os demais projetos públicos.
O Conselho de Ciências Espaciais da Academia Nacional de Ciências convocou uma série de reuniões para tratar das preocupações dos astrônomos, e o Presidente Kennedy tentou um acordo em 1961. A Casa Branca garantiu que as agulhas de West Ford fossem colocadas em uma órbita baixa, o que faria com que retornassem à atmosfera da Terra dentro de dois anos, e nenhum outro teste seria realizado até que os resultados do primeiro fossem completamente avaliados. Isso aplacou parcialmente a comunidade internacional de astronomia, mas, ainda assim, ninguém poderia garantir com precisão o que aconteceria com vinte quilos de fio de cobre dispersos em órbita.
Em 21 de outubro de 1961, a NASA lançou o primeiro conjunto de dipolos da West Ford no espaço. Um dia depois, foi detectado um problema no lançamento e seu destino final nunca foi completamente determinado.
Em 9 de maio de 1963, um segundo lançamento dispersou com sucesso sua carga de agulhas a aproximadamente 3.500 quilômetros acima da Terra, ao longo de uma órbita que cruzava os pólos norte e sul. Transmissões de voz foram feitas com sucesso entre a Califórnia e Massachusetts, e os aspectos técnicos do experimento foram declarados um sucesso. Como as agulhas dipolo continuaram a se dispersar, as transmissões foram perdendo qualidade consideravelmente, muito embora o experimento tenha provado que a estratégia poderia funcionar.
A preocupação com a natureza clandestina e militar de West Ford continuou após este segundo lançamento. Em 24 de maio daquele ano, o The Harvard Crimson citou o radioastrônomo britânico Sir Bernard Lovell, dizendo: "O problema não está apenas neste experimento, mas na atitude mental que o torna possível sem acordos e salvaguardas internacionais".
As operações militares dos americanos no espaço na época deram aos EUA uma reputação de serem imprudentes, principalmente após o teste nuclear de alta altitude de 1962, Starfish Prime, quando os EUA detonaram uma bomba nuclear na atmosfera, dispersando radiação em todo o mundo, gerando auroras tropicais e produzindo um pulso eletromagnético que prejudicou severamente várias cidades havaianas.
O destino final das agulhas da West Ford também é cercado por uma nuvem de incerteza. Como os fios de cobre eram muito leves, os líderes do projeto supuseram que entrariam na atmosfera dentro de alguns anos, empurrados para a Terra pelo vento solar. A maioria das agulhas do fracassado lançamento de 1961 e do lançamento bem-sucedido de 1963 provavelmente teve esse destino.
Mas nem todas as agulhas retornaram à Terra. Graças a uma falha de design, é possível que várias centenas, talvez milhares de agulhas agrupadas ainda estejam em órbita ao redor da Terra, junto com a espaçonave que as carregava.
As agulhas de cobre foram embebidas em um gel de naftaleno projetado para evaporar rapidamente quando atingisse o vácuo do espaço, dispersando as agulhas em uma nuvem fina. Mas esse projeto permitiu o contato metal com metal, que, no vácuo, pode soldar fragmentos em grupos maiores.
Em 2001, a Agência Espacial Européia publicou um relatório que analisava o destino dos aglomerados de agulhas das duas cargas úteis da West Ford. Diferentemente das agulhas solitárias, essas cadeias e aglomerados têm o potencial de permanecer em órbita por várias décadas, e os bancos de dados de detritos espaciais do NORAD listam várias dúzias ainda no ar da missão de 1963. Alguns deles podem inclusive ser rastreados por meio do site https://www.n2yo.com/satellites/?c=37
Mas o relatório da ESA sugere que, como a carga útil de 1961 não se dispersou, milhares de outros aglomerados poderiam ter sido lançados e vários podem ser pequenos demais para serem rastreados.
Satélites de comunicação eletrônicos rapidamente tornaram obsoletos projetos como West Ford, e não foram mais lançadas agulhas após 1963. O Telstar, o primeiro satélite de comunicações moderno, foi lançado em 1962, transmitindo sinais de televisão através do Atlântico duas horas por dia.
No catálogo de lixo espacial da Terra, os pedaços de cobre do projeto West Ford representam apenas uma fração do total da nuvens de detritos que circundam a Terra. Mas eles certamente têm uma das histórias mais estranhas.
O projeto serve como mais um lembrete do que foi o poder militar que tornou possíveis as primeiras missões espaciais, tanto para o bem quanto para o mal. Assim como bases permanentes na lua e missões tripuladas em Marte, é outro sonho perdido há muito tempo nascido em uma época em que nada estava fora de alcance. Nem mesmo colocar um anel ao redor da Terra.
Fonte: https://www.wired.com/2013/08/project-west-ford/ Receba em seu celular e em primeira mão as notícias publicadas no QTC da ECRA!
Durante o verão de 1963, os Estados Unidos lançaram meio bilhão de fios finíssimos de cobre em órbita, na tentativa de criar um anel metálico ao redor da Terra. Foi o Projeto West Ford. A Força Aérea e o Departamento de Defesa o imaginaram como a maior antena de rádio da história da humanidade. Seu objetivo era proteger as comunicações de longo alcance do país no caso de um ataque da União Soviética.
No final da década de 1950, as comunicações de longo alcance dependiam de cabos submarinos ou de comunicações via rádio. Os cabos eram robustos, mas não invulneráveis. Se os soviéticos atacassem e destruíssem esses cabos, os EUA só poderiam contar com transmissões de rádio para se comunicar no exterior. Mas as comunicações de longa distância dependem da ionosfera, e esta depende do sol. Frequentemente é interrompida por tempestades solares. Os militares dos EUA haviam identificado um problema.
Uma solução potencial nasceu em 1958. O projeto Needles, como era originalmente conhecido, foi idéia de Walter E. Morrow. Ele sugeriu que se a Terra possuísse um refletor de rádio permanente na forma de um anel orbital composto de fios de cobre, as comunicações de longo alcance estariam imunes a distúrbios solares e fora do alcance de tramas soviéticas nefastas.
Comparação do tamanho das agulhas com um selo postal pequeno
Cada fio de cobre tinha cerca de 1,8 centímetros de comprimento. Isso era metade do comprimento de onda do sinal de transmissão de 8 GHz transmitido da Terra, transformando efetivamente cada pedacinho de fio em uma antena dipolo. Em conjunto, as bilhões de microantenas poderiam melhorar as transmissões de rádio de longo alcance sem depender da instável ionosfera.
Hoje é difícil imaginar como algo assim fosse considerado uma boa idéia. Mas este projeto foi pensado antes que nós puséssemos os pés no espaço, quando os generais estavam no comando dos foguetes da NASA, e a maioria dos satélites e naves espaciais não havia sequer saído da prancheta de desenho. O projeto foi executado baseando-se na suposição de que o espaço exterior é tão grande que os riscos de colisão com um eventual lixo espacial eram minúsculos em comparação com a ameaça do comunismo.
O projeto foi renomeado para West Ford. Não foi o primeiro, nem o mais estranho plano de construir um refletor de rádio global. Em 1945, o autor de ficção científica Arthur C. Clarke sugeriu que o arsenal de foguetes V2 da Alemanha poderia ser programado para colocar um conjunto de antenas em órbita geoestacionária ao redor da Terra. Clarke foi tão feliz em sua visão que os satélites de comunicação de hoje se encontram todos numa região do espaço que recebeu o nome de "Cinturão de Clarke", em homenagem ao escritor que o idealizou.
Enquanto isso, cientistas americanos tentavam usar nossa própria lua como um refletor de comunicação, um feito que seria finalmente realizado com o Projeto Diana de 1946. Um plano ainda mais audacioso foi criado no início dos anos 60 e conhecido como Projeto Echo, que utilizava um par de refletores de microondas na forma de balões metálicos transportados pelo espaço.
À medida que o Projeto West Ford avançava, os radioastrônomos alertavam sobre os efeitos nocivos que essa nuvem de agulhas de metal poderia ter sobre a observação das estrelas. Começavam a surgir preocupações sobre o problema do lixo espacial. Mas, por trás dessas preocupações, havia a preocupação de que uma missão espacial sob a bandeira da segurança nacional não estivesse sujeita à mesma transparência que os demais projetos públicos.
O Conselho de Ciências Espaciais da Academia Nacional de Ciências convocou uma série de reuniões para tratar das preocupações dos astrônomos, e o Presidente Kennedy tentou um acordo em 1961. A Casa Branca garantiu que as agulhas de West Ford fossem colocadas em uma órbita baixa, o que faria com que retornassem à atmosfera da Terra dentro de dois anos, e nenhum outro teste seria realizado até que os resultados do primeiro fossem completamente avaliados. Isso aplacou parcialmente a comunidade internacional de astronomia, mas, ainda assim, ninguém poderia garantir com precisão o que aconteceria com vinte quilos de fio de cobre dispersos em órbita.
Em 21 de outubro de 1961, a NASA lançou o primeiro conjunto de dipolos da West Ford no espaço. Um dia depois, foi detectado um problema no lançamento e seu destino final nunca foi completamente determinado.
Em 9 de maio de 1963, um segundo lançamento dispersou com sucesso sua carga de agulhas a aproximadamente 3.500 quilômetros acima da Terra, ao longo de uma órbita que cruzava os pólos norte e sul. Transmissões de voz foram feitas com sucesso entre a Califórnia e Massachusetts, e os aspectos técnicos do experimento foram declarados um sucesso. Como as agulhas dipolo continuaram a se dispersar, as transmissões foram perdendo qualidade consideravelmente, muito embora o experimento tenha provado que a estratégia poderia funcionar.
A preocupação com a natureza clandestina e militar de West Ford continuou após este segundo lançamento. Em 24 de maio daquele ano, o The Harvard Crimson citou o radioastrônomo britânico Sir Bernard Lovell, dizendo: "O problema não está apenas neste experimento, mas na atitude mental que o torna possível sem acordos e salvaguardas internacionais".
As operações militares dos americanos no espaço na época deram aos EUA uma reputação de serem imprudentes, principalmente após o teste nuclear de alta altitude de 1962, Starfish Prime, quando os EUA detonaram uma bomba nuclear na atmosfera, dispersando radiação em todo o mundo, gerando auroras tropicais e produzindo um pulso eletromagnético que prejudicou severamente várias cidades havaianas.
O destino final das agulhas da West Ford também é cercado por uma nuvem de incerteza. Como os fios de cobre eram muito leves, os líderes do projeto supuseram que entrariam na atmosfera dentro de alguns anos, empurrados para a Terra pelo vento solar. A maioria das agulhas do fracassado lançamento de 1961 e do lançamento bem-sucedido de 1963 provavelmente teve esse destino.
Mas nem todas as agulhas retornaram à Terra. Graças a uma falha de design, é possível que várias centenas, talvez milhares de agulhas agrupadas ainda estejam em órbita ao redor da Terra, junto com a espaçonave que as carregava.
As agulhas de cobre foram embebidas em um gel de naftaleno projetado para evaporar rapidamente quando atingisse o vácuo do espaço, dispersando as agulhas em uma nuvem fina. Mas esse projeto permitiu o contato metal com metal, que, no vácuo, pode soldar fragmentos em grupos maiores.
Em 2001, a Agência Espacial Européia publicou um relatório que analisava o destino dos aglomerados de agulhas das duas cargas úteis da West Ford. Diferentemente das agulhas solitárias, essas cadeias e aglomerados têm o potencial de permanecer em órbita por várias décadas, e os bancos de dados de detritos espaciais do NORAD listam várias dúzias ainda no ar da missão de 1963. Alguns deles podem inclusive ser rastreados por meio do site https://www.n2yo.com/satellites/?c=37
Mas o relatório da ESA sugere que, como a carga útil de 1961 não se dispersou, milhares de outros aglomerados poderiam ter sido lançados e vários podem ser pequenos demais para serem rastreados.
Satélites de comunicação eletrônicos rapidamente tornaram obsoletos projetos como West Ford, e não foram mais lançadas agulhas após 1963. O Telstar, o primeiro satélite de comunicações moderno, foi lançado em 1962, transmitindo sinais de televisão através do Atlântico duas horas por dia.
No catálogo de lixo espacial da Terra, os pedaços de cobre do projeto West Ford representam apenas uma fração do total da nuvens de detritos que circundam a Terra. Mas eles certamente têm uma das histórias mais estranhas.
O projeto serve como mais um lembrete do que foi o poder militar que tornou possíveis as primeiras missões espaciais, tanto para o bem quanto para o mal. Assim como bases permanentes na lua e missões tripuladas em Marte, é outro sonho perdido há muito tempo nascido em uma época em que nada estava fora de alcance. Nem mesmo colocar um anel ao redor da Terra.
Fonte: https://www.wired.com/2013/08/project-west-ford/ Receba em seu celular e em primeira mão as notícias publicadas no QTC da ECRA!
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Muito bom. Obrigado pela tradução e história.
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